A felicidade apregoa-se às pargas. É ver a felicidade por aí espalhada em tudo o que é canto onde se possa simplesmente mostrar. Hoje não se é feliz, apenas se mostra ser feliz. Insuportáveis os clamores de férias, de viagens, de amores, de festas, de bons resultados, de elogios. Tudo fede a cobardia, a conchas brilhantes que não escondem nada a não ser medo. Medo de assumir a tristeza e a insatisfação, porque é mais fácil ser feliz que miserável. Calar a alegria parece ser, cada vez mais, o mais sensato. Quer por precaução de cruéis invejas, quer por torná-la mais verdadeira, porque é só nossa.
Só eu me talho o prazer sempre que não é pleno. Apenas me dou permissão ao prazer se não existir migalha de preocupação, caso contrário o prazer não é prazer se não se pode gozar por inteiro. Gosto dos infelizes, vejo-lhes a sinceridade – excepto nos crónicos que o assumiram como discurso de vida. Está sempre “tudo bem” perante a pergunta. E vamos embarcando ordeiramente nesta dormência, perfeitas cassetes, cujo alinhamento já conhecemos de cor.
No entanto há quem dê equilíbrio ao mundo, como as duas mulheres que vagueiam a rua ora acima, ora abaixo. Quase sempre coladas uma à outra. Dois espectros ambulantes. São parecidas, mas não se percebe o parentesco, apenas uma mais alta que a outra. Ambas de preto, horrivelmente magras, corcundas, velhas, de crucifixo no fio ao pescoço. Dois ramos secos do tempo, sem expressão, caminham sem se ouvir, lentamente, como dois fantasmas em vigília. Nunca as tinha visto, assombra-me a sua presença como se me viessem anunciar a desgraça. Tanto quanto os sorrisos plastificados de excitação.
3 comentários:
Lá está: vive-se para o parecer e não para o ser. Ser implica muita coragem, amiga.
Meu deus, que texto tão deprimente. Por acaso hoje é sexta-feira. Bom dia para uma bela jantarada, não?
E não é que foi mesmo? Mas o pensamento mantém-se...
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