sexta-feira, 30 de julho de 2010

Amor cruel

Sobre a mesa estava este:


Entre um café, um copo de água e… o Record. Os anos de ouro já lá vão e a figura já não é a mesma. São as banhas que se alojaram na pele oleosa, com barba de 15 dias, na constante tentativa de estar hip e passar completamente ao lado. A insistência na auto-centrada sensualidade acentua-lhe o ar sebento, pedante e de óbvia insatisfação com a vida.

Inquietava-me tal literatura que não deixava de ser irónica na personagem. A real. Protagonista de amores e desamores sui generis parecia, de alguma forma, tentar exorcizar o seu próprio enredo, na esperança de encontrar ali o seu alter-ego. Entre um casamento de fachada, mulheres descartáveis e filhos como quem tira a senha do pão, questionava-me sobre que amor cruel seria aquele. Seria ele um eterno amante incompreendido, apanhado nas malhas do destino, preso a um amor incompatível? Não me parece. Antes um eterno aprendiz que nunca aprendeu a amar e ser amado, mas, talvez – só talvez – a ser cruelmente infantil.

1954-2010

terça-feira, 27 de julho de 2010

segunda-feira, 26 de julho de 2010

JP no Embargo

Atelier da Xica

Um sincero obrigada à Xica. E mais uma vez, parabéns.

Matchpoint

Esparramava-se PT à sombra da esplanada. Com certeza indagava por um futuro parental que lhe passou de raspão à lareira.

sábado, 24 de julho de 2010

Ao professor Humbert Humbert

Um beijo pela decoração do inquieto recanto.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

La bambola di sale

Contava-nos o padre Mário sobre a boneca de sal.

Uma boneca que sempre ouvira falar no mar, queria muito saber o que era, conhecer o que a fascinava tanto. Todos lhe diziam para não o fazer, pois o mar era perigoso e ela perder-se-ia para sempre. Mas a boneca insistia e cheia de coragem, resolveu iniciar a sua demanda, percorrendo um longo caminho até finalmente chegar.
Assim que vê o mar fica estarrecida com toda aquela imensidão, o brilho, o mistério e pergunta:
- Quem és tu?
- Sou o mar.
- E o que é o mar?
- Sou eu.
- Não percebo... Explica-me!
- É muito simples: toca-me.

A boneca encheu-se de coragem e na vontade imensa de perceber o que era realmente o mar, avançou até à água e, depois de algumas hesitações, mergulhou um pé. Sentiu-se estranha, mas de alguma forma parecia estar a compreender finalmente o que era o mar. Quando retira o pé repara que já não tinha os dedos e disse:
- És mau! O que me fizeste? Para onde foram os meus dedos?
- Porque te lamentas? Apenas ofereceste algo para poder perceber. Não era o que querias?
-Sim, é verdade, mas...

E ao aperceber-se disso mesmo, deixou-se avançar cada vez mais na água, submergindo aos poucos naquela água envolvente. E quanto mais se afundava, cada vez menos restava do seu corpo e cada vez mais compreendia o que era o mar. Quase completamente desfeita, disse:
- Já sei! O mar sou eu.



E assim se explicava o matrimónio. A união de um casal deverá funcionar tal como a boneca e o mar. Deve cada um misturar-se no outro, anulando o seu "eu" tornando-se no outro, abdicando de individualidades para existir pelo outro, sempre a dois e a uma só voz, para se ser e conhecer verdadeiramente.

Eu acho esta ideia tremendamente romântica, mais pelo conto do que pelo transporte para a realidade. No fundo, parece-me um pouco perniciosa esta anulação de personalidade para servir um marido ou uma mulher. Porque não se fala em amar o outro tal como ele é e respeitá-lo na sua singularidade, em vez destas subtis noções de mútua subserviência? Enfim... perspectivas.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

E (ainda) o aborto...

A lunática Isilda Pegado volta à cena para massacrar tudo e todos com a velha ladaínha do aborto como método contraceptivo. A meu ver, o que sempre importou nesta discussão foi até que ponto uma mulher (ou os casais) deve(m) ou não ter o poder de decisão nesta questão. O mais desagradável e desgastante no meio de tudo isto foram os argumentos usados na defesa do Não, nomeadamente os referidos por esta senhora. Porque se canalizam fundos que não iriam para os apoios à família e aos desempregados? Porque existem menos crianças e consequentemente menos professores e menos emprego? Porque é mais fácil fazer um aborto do que usar o preservativo? Porque os médicos podem declarar objecção de consciência mas não podem dissuadir as mulheres?

What a bunch of crap. Puro enchimento de chouriços misturadinho com areia para os olhos da malta. Coitadinhas das mulheres que são praticamente empurradas a abortar! Ó cara Isilda, devo então concluir que as mentecaptas das mulheres deste país, pobres desventuradas analfabetas, precisam de si no seu Dolce & Gabana para pensar e decidir por elas. Naturalmente que quem faz um aborto, fá-lo por gosto, como dizia a outra. Que saudades do tempo das mulheres parideiras, enfiadinhas na igreja e de boca fechada, hein Isilda?

Aborrece-me de morte esta insistência lunática na discussão quando já toda a gente percebeu que se trata de uma questão de consciência individual. Trata-se de ter opção, de poder decidir sem que isso signifique que se seja pró-aborto. Muito pelo contrário.

What?!


- Olá, boa tarde, como está?
- Olá boa tarde! - grande sorriso.

(Prossigo e vou à minha vida, quando sinto um olhar penetrante mesmo atrás de mim.)

- Olhe, por acaso, nem estava a ver bem quem era... Está tão alta!
- Pois, tenho saltos altos...
- Sabe, lancei agora o meu último livro de sonetos e tinha muito gosto em vender-lhe um.

(Saca imediatamente um exemplar da pochette, capa fina em azul bebé.)

- Por acaso não tenho dinheiro agora comigo, vim só mesmo aqui buscar uma coisa e vou já embora.
- Ahhh... É mesmo uma pena que não tenha aqui dinheiro.

(Finjo nem ver o Multibanco mesmo ao meu lado, enquanto aquela mulher atarracada, floridamente vestida me fixa feita louca.)

- Pois, pois é...

(Desejo sair dali rapidamente ou que se me abra um buraco qualquer onde me esconder dos risinhos de troça da mulher da lavandaria.)

- Pronto, olhe, estão em todas as livrarias! Passe numa qualquer a comprar um dia destes, que encontra de certeza. Você é filha de quem?
- Do Rui...
- Ah, pois! Já sei... Então e diga-me lá, ele refez a sua vida?

(Agora não só quero fugir como esganá-la. É impressão minha ou está oficialmente a candidatar-se?)

- Sim, sim. Está sozinho e muito bem.
- Ah, pois! O que é preciso é que esteja bem!
- Pois é, adeus, adeus! Até á próxima...


Sou pouco dada a este tipo de intimidações e exploração da minha vida privada.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Não gosto



Eu não gosto de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas
O que eu não gosto é de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu aguento até os estetas
Eu não julgo a competência
Eu não ligo para etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades
O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem...

Tenho pena e não respondo

Tenho pena e não respondo.
Mas não tenho culpa enfim
De que em mim não correspondo
Ao outro que amaste em mim.

Cada um é muita gente.
Para mim sou quem me penso,
Para outros - cada um sente
O que julga, e é um erro imenso.

Ah, deixem-me sossegar.
Não me sonhem nem me outrem.
Se eu não me quero encontrar,
Quererei que outros me encontrem?


Fernando Pessoa

Make a joyful noise

Diz-me que o meu corpo e a minha mente precisam de sons mais alegres, que a banda sonora da minha vida actual não pode passar por baladas, melancolias e afins. “Make a joyful noise”, dizia. Não deixa de ser verdade que eu própria devo procurar fazer o meu som, animado. Abaixo os slows e as músicas deprimentes será o meu lema, embora o meu corpo e mente se comprazam com melodias da mais profunda dor e desilusão, principalmente em especiais momentos que assim me definam. Há algo de masoquista nessa necessidade de atrair a depressão à depressão, como se daí emergisse uma espécie de cura, em igual mecanismo de vacina. Assim como há momentos em que essas mesmas melodias me entediam e não há pachorra para tanto desenrolar de comiseração, aí não me cabe outra coisa a não ser festa, trompetas aos berros, bater de pezinho e cabelo ao vento. Enquanto pensava no assunto, surgiu-me esta aos ouvidos. Na mouche. Seria, com certeza, o hino da minha revolta. O Seu Jorge tem algo de malandro, de pacífico charmoso com anos de prática de lábia, que enfeitiça qualquer ‘mina neste modo de folia apaixonada.

Está dado o mote.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Lençóis

Era um lugar indefinido onde pendiam lençóis brancos por toda a parte, ao estilo filme romântico, série B. Pelas paredes, pelo chão, nada mais havia a não ser: lençóis. Embrulhados, amarrotados, limpos e frescos, envolviam dois corpos que já se conheciam. O resto foi o que já se sabia, porque a lição estava sabida de cor e salteado. Porque o cheiro era o mesmo e fora o guia de sempre. O ritual não tinha sido esquecido, o desenrolar da cena surgia naturalmente, de gestos calmos e surpresos na sensação de estar em casa, de nunca ter saído. Saborearam-se na doçura do reencontro e despiram-se de roupas e egos. Só dois corpos que se tatuaram e que falam a mesma língua, alheios a condições. Confirmaram entre sorrisos esse entendimento perene, em prazeres amadurecidos.