Contava-nos o padre Mário sobre a boneca de sal.
Uma boneca que sempre ouvira falar no mar, queria muito saber o que era, conhecer o que a fascinava tanto. Todos lhe diziam para não o fazer, pois o mar era perigoso e ela perder-se-ia para sempre. Mas a boneca insistia e cheia de coragem, resolveu iniciar a sua demanda, percorrendo um longo caminho até finalmente chegar.
Assim que vê o mar fica estarrecida com toda aquela imensidão, o brilho, o mistério e pergunta:
- Quem és tu?
- Sou o mar.
- E o que é o mar?
- Sou eu.
- Não percebo... Explica-me!
- É muito simples: toca-me.
A boneca encheu-se de coragem e na vontade imensa de perceber o que era realmente o mar, avançou até à água e, depois de algumas hesitações, mergulhou um pé. Sentiu-se estranha, mas de alguma forma parecia estar a compreender finalmente o que era o mar. Quando retira o pé repara que já não tinha os dedos e disse:
- És mau! O que me fizeste? Para onde foram os meus dedos?
- Porque te lamentas? Apenas ofereceste algo para poder perceber. Não era o que querias?
-Sim, é verdade, mas...
E ao aperceber-se disso mesmo, deixou-se avançar cada vez mais na água, submergindo aos poucos naquela água envolvente. E quanto mais se afundava, cada vez menos restava do seu corpo e cada vez mais compreendia o que era o mar. Quase completamente desfeita, disse:
- Já sei! O mar sou eu.
E assim se explicava o matrimónio. A união de um casal deverá funcionar tal como a boneca e o mar. Deve cada um misturar-se no outro, anulando o seu "eu" tornando-se no outro, abdicando de individualidades para existir pelo outro, sempre a dois e a uma só voz, para se ser e conhecer verdadeiramente.
Eu acho esta ideia tremendamente romântica, mais pelo conto do que pelo transporte para a realidade. No fundo, parece-me um pouco perniciosa esta anulação de personalidade para servir um marido ou uma mulher. Porque não se fala em amar o outro tal como ele é e respeitá-lo na sua singularidade, em vez destas subtis noções de mútua subserviência? Enfim... perspectivas.
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