quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O rei do bolo-rei

O Henri ilustra assim:

A Vieira do Mar di-lo assim:
Acabou de ouvir dizer na SIC que nós, como "povo", devíamos ter "vergonha" por haver portugueses que ainda passam fome. Atendendo a que quem acabou de dizer esta barbaridade foi a abécula que por enquanto é a mais alta figura da nação e que, portanto, tem o poder e a possibilidade que o comum do zé povinho não tem para alimentar muitos terceiros e que não faz, seguramente, um corno em prol disso, quem tem vergonha dele sou eu.



Eu não o faria melhor. Até porque não tenho palavras, nem talento plástico para tamanha imbecilidade.

(Des)pertenças

A família onde vimos desaguar é algo que me inquieta. Podia ser nesta ou noutra qualquer, quando nascemos não sabemos o que vamos encontrar, de que sangue somos feitos, que feitios ou propriedades estamos já a herdar. O que é certo é que nem sempre a correspondência faz muito sentido. Suponho que a sensação de des-pertença deve acontecer a qualquer um, se não constante, pelo menos em algum momento. Seja nos comportamentos, nos interesses, nos modos de vida e, também provavelmente, pelos percursos que sempre divergem e que nos vão formando mais assim ou mais assado. A razão deve ser exactamente essa: somos aquilo que vamos construindo, consoante o que vamos vivendo pede. Não somos tanto a genética, mas mais uma construção. Podemos até projectar um modelo de ser que nos pareça mais adequado e criamo-nos até lá chegar.

Mesmo assim, esta ausência de ligação causa-me algum desconforto. É suposto que as pessoas e as coisas encaixem, quando à partida vêm do mesmo molde e, afinal, o que também é suposto é que nos sintamos encaixados quando, aparentemente, todos os outros - nossos pares - o sentem. Entre os vários papeis que vamos desempenhando como pais, cidadãos, profissionais, amigos ou amantes, é esperado que o façamos com propriedade e sucesso. O social será sempre uma parte do particular, não há volta a dar: sem certos ou errados a falha será sempre apontada de fora, e o estigma do incumprimento atribuido.

Parece que caminhar sozinho é muitas vezes a resolução tácita entre as partes.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Comer, orar, amar

Uma grande chachada, é o que me apraz dizer. Tudo muito bonito, ai que estou tão insatisfeita, uma grande vontade de dar à volta à vidinha, viajar, conhecer um Javier Bardem e comer com fartura, sempre de cabelo impecavelmente penteado mesmo em retiro espiritual. Olha, fofinha, assim também eu. Aliás, hás-de dizer-me onde se arranjam vidas e inquietações dessas, com soluções tão fenomenais.

Retiram-se duas ideias mais ou menos centrais que lá vão passando, entre devaneios sem grande consistência:
- gajas, façam o favor de comer e deixem-se de merdas de dietas e obsessões inventadas para agradar a seja lá quem. De facto, se nunca um homem fugiu a sete pés quando vos teve nuas no quarto é porque não devem estar assim tão mal.

- perdoem-se. E isto não é fácil, diz-vos quem já rondou os meandros da coisa. Grande parte das nossas frustrações e consequentes depressões passam pela culpa. Culpas que nem vêm de fora, mas de dentro, que nos atribuimos por excesso de regras, de perfeccionismo, de medo, de objectivos. Ou porque, inevitavelmente, infligimos dor a alguém. Nada é preto ou branco e a merda do cinzento vem sempre complicar as coisas. Conseguir libertar-se desse peso tira-nos quilos de cima. Não conseguir libertar-se implica a aceitação de uma vidinha de auto-comiseração, desalento, profunda tristeza e falta de auto-estima. Nada disto é fácil, dá trabalho e não acontece de repente.

E é isto que retenho da historieta. Nem o Javier me remexeu os fundilhos.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher

Ao discriminar positivamente um cidadão em relação a outro esta lei apresenta-se como «menos legal», injusta talvez para o resto do conjunto da sociedade enquanto abre excepções em função do sexo. Mas é essa mesma sociedade é a que ainda discrimina por sexos, por géneros. A masculinidade não é sinónimo de psicopatia nem o ódio ao sexo feminino é exclusivo da masculinidade. É só uma consequência social.

Sociedade não é só o ente abstracto que vemos nas estatísticas anuais, os dados macroeconómicos ou os índices inflacionistas anunciados pelos governos. Por sociedade deve-se entender cada relação matrimonial, laboral, a educação dos filhos, o tratamento das avós, o piropo à menina que passa por uma obra, o apalpar o rabo a uma mulher no metro, a divisão das tarefas do lar, quem tem direito ao aumento do ordenado. Mais do que procurar a simples penalização de um acto violento instalou-se a urgência de tipificar um bem jurídico tão óbvio como a dignidade feminina, passível de protecção estatal, policial e legal, parte indispensável do ordenamento social. Na era do descobrimento do genoma, da aceleração de partículas e do Prémio Príncipe das Astúrias a António Damásio, pouco abona a favor do nosso mundo que ainda se debata a necessidade de igualar direitos. Não é uma questão de feminismo, sexismo, paranóia de senhoras desocupadas com sutiãs a mais no armário, mas sim do reconhecimento dos Direitos Humanos, elementares, como declara a resolução da ONU, para o desenvolvimento também económico das nações.

Hoje, 25 de Novembro, Santa Catarina de Alexandria, Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, as televisões lembrarão as violações, mutilações, os maus tratos, as lapidações. Mas não chega. Ao menos enquanto a mulher não for igual, um ser humano, e não essa coisa menor cuja vida é menos valiosa que um livro de cozinha.

Medo...

Foto daqui.


De Língua Portuguesa não, com certeza.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ao João

Dizes que é uma miséria veres os teus próprios filhos
transformados em vadios e drogados
- o teu orgulho de pai está ferido.
Apressas-te a culpá-los, mais à sua geração,
por não quererem alinhar na engrenagem
que eles viram esmagar o teu pobre coração.

Eles já estão fartos de saber o que tu queres deles.
Eles já estão fartos de saber quem quer vendê-los.
Eles já estão fartos de ouvir dizer: tem que ser.
E agora eles tentam viver doutra maneira qualquer.

Faz-te imensa confusão vê-los andar pelas ruas
com o olhar fixo em qualquer ponto do espaço
e umas maneiras tão diferentes das tuas.
Faz-te imensa confusão vê-los tristes e cansados.
para ti, eles não passam de uns preguiçosos,
contagiados pelas más companhias.

Eles já estão fartos de saber o que tu queres deles.
Eles já estão fartos de saber quem quer vende-los.
Eles já estão fartos de ouvir dizer: tem que ser.
E agora, tentam viver doutra maneira qualquer.

Quem é que os levou a ser assim tão frios e indiferentes
para com os pais que tanto se esforçaram
para que eles pudessem vencer toda a gente?
Quem é que os levou a ser tão ingratos e egoístas
para quem não olhou a sacrifícios
para que os seus filhos dessem nas vistas?

Eles já estão fartos de saber o que tu queres deles,
Eles já estão fartos de saber quem quer vende-los.
Eles já estão fartos de ouvir dizer: tem que ser, pá.
E agora eles tentam viver doutra maneira qualquer.

Eles já estão fartos de saber que a guerra existe.
Eles já estão fartos de saber que a Fome existe.
Eles já estão fartos de saber que a Família existe.
Eles já estão fartos de saber que a Igreja existe.
Eles já estão fartos de saber que o Estado existe.
Eles já estão fartos de saber o que os deixam fazer.


Eles já estão fartos, Jorge Palma

domingo, 14 de novembro de 2010

Músicas de vómito #3



Não percebo como é que uma cadência banal de notas musicais e uma letra a martelo, com esta complexidade...

pintei o teu corpo numa tela
esculpi o teu rosto à luz da vela
pintei o teu corpo... pintei


... fazem tamanho sucesso. Alguma mente brilhante achou que valia a pena passar isto 300 vezes por dia nas rádios e lá está... a malta consome o que lhe impingem.

Músicas de vómito #2

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Fast food

Dê Érres

É impressionante como os enfeites de nome próprio continuam na moda. São os doutores, os engenheiros, os arquitectos. Até a Amélia que se conhece desde os 5 anos - que nem sequer, alguma vez, teve um curso superior ou foi médica - é doutora Amélia. Foi ela que, nos tempos dos narizes ranhosos, até a assoava com a ponta da saia, enquanto fazia bolos na cozinha com a mãe, mas perante um eventual encontro no espaço profissional é a doutora Amélia. Mais pelos outros do que pela Amélia, como se aos outros lhes faltasse o chão se alguém, algum dia, ousasse não tratar a Amélia como doutora Amélia.

Falta-me franca paciência para este tipo de ensinamentos e assistir a eventuais advertências quando estes enfeites são omitidos.

Algo se passa nestas cabeças. Falta de ocupação, de sexo, de auto-estima, de terapia, quiçá.

Pior ainda só resolver a minha cabeça e arrancar das entranhas a tranquilidade aquando destes episódios dramáticos.

domingo, 31 de outubro de 2010

Mal empregadinha...!

Repescada daqui.

Obviamente vaca! Mas há alguma dúvida? Se não alinhas fica na tua, filha. Não te metas com as vacas, se faz favor.

Haja pachorra para estas queridas...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Quando a maioria os quer mandar foder, haja alguém que nos represente



Abaixo os organismos de cúpula, vivam os orgasmos de cópula,
por Daniel Oliveira

Um episódio está a aquecer o Parlamento. Nada tem a ver com os deputados. A semana passada um colaborador do grupo parlamentar do PSD foi apanhado em flagrante delito, às sete da manhã, em pleno acto com uma amiga que não trabalha na Assembleia. A coisa pode parecer apenas interessante contada assim. Mas é muito mais do que isso. O acto aconteceu na sala do plenário. Infelizmente, a interrupção não terá permitido ao arrojado casal levar a fantasia até ao fim. Há sempre um empata.

Antes que a coisa saia na imprensa e comecem as condenações morais, quero deixar clara a minha admiração pelos pecadores. Porque respeito quem faz tudo para cumprir uma fantasia. Porque deram um contributo para a dessacralização do poder, aproximando assim aquele órgão de soberania das verdadeiras preocupações dos cidadãos. E porque, por uma vez, aconteceu qualquer coisa realmente interessante naquela sala (infelizmente não consegui saber qual foi a bancada escolhida). Só lamento que, como de costume, quando realmente alguma coisa de construtiva começa ali a ser feita, seja deixada a meio. O meu abraço aos dois. Próxima aventura: Palácio de Belém?
Parabéns ao intrépido casal porque:

a) Por uma vez que seja, a AR foi verdadeira e matematicamente paritária;

b) Demonstrou cabalmente que neste País a política é fodida. E que de deputado a de putedo pode ir, literalmente, um pintelho, pese embora não ter sido esse aparentemente o elenco desta (des)feita;

c) Às sete da matina já exibiam um ritmo e um grau de actividade que os mais dos deputados habitualmente nem às sete da tarde atingem;

d) Demonstraram que poder é bom enquanto dura, mas há que saber sair de cima quando o tempo de outrem sobrevém ao nosso;

e) Depois de lhes reprovarem o acto na generalidade, tiveram a decência e o bom-senso de passar à especialidade em sede mais recatada;

f) Forneceram o exemplo acabado de como, em Democracia, quaisquer coitados podem aceder sem restrições ao órgão máximo da representação popular (Coito dos Santos novamente na Educação, já!);

g) Demonstraram ainda, para gáudio de uns e vexame de outros, que naquela vetusta sala continua a haver quem use mudar de posição conforme as conveniências do momento.

Tenho dito.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Lez Girls


O estereótipo das lésbicas está completamente ultrapassado. Ainda hoje via esta, em versão portuguesa, sem tirar nem pôr. Já lá vai o tempo das lésbicas camionistas, exageradamente masculinas, sem mamas, cabelo curtíssimo, calças sem formas, amorfas, desmazeladas, e andar à trolha. A L Word tinha-as no todo, como são, hoje. Ainda que de formas e personalidades variadas, cada uma delas representa um mini-estereótipo das lésbicas da actualidade. E lá estava hoje a Shane: o corte de cabelo curto e desalinhado, o rosto esquálido, a beleza feminina dissimulada num ar másculo, carregado de sensualidade. O resto andará por aí, com certeza… As executivas bem sucedidas, as voluptuosas e escaldantes, as inocentes e apaixonadas, as desportistas, as militares, as ex-heterossexuais, as transsexuais, as culturais, etc., etc., etc. Ser lésbica é ser mulher e feminina e nada implica, forçosamente, o contrário. Amam, fodem e vivem exactamente como qualquer outra. Só a DonaInês parece não entender ainda estas estranhas tendências de lamber vaginas e enfiar dedos. “Ai fazem isso? Que grande porcaria, uma coisa tão malcheirosa!”

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Isto é bom

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Tumba!

"Não compliques, um gajo anda aqui para trabalhar e fazer cachopos, por isso não queiras ser tão moderna e complicadinha."

Foi o que lhe disse. Tumba, vai buscar. E ela concordou. Pois claro, também eu concordo. No fundo, é isto mesmo, para quê complicar? E aplica-se a tantas de nós recém pós-adolescentes, ainda na esperança de mudar o mundo, na nossa fúria de emancipação e feminismo, como se quisessemos recuperar qualquer coisa que nos roubaram. Andamos sempre à espreita, à cautela, que nem o papão ou o príncipe encantado ficaram arrumados no baú dos brinquedos. Sempre a rebolar com complexos edipianos - e outros - para trás e para a frente. Que canseira.

Enfim, não deixa de ser uma perspectiva um bocado simplista da vida, mas... lá está: "não queiras ser tão complicadinha". Resta-nos trabalhar para comer e multiplicar-nos para fazer proliferar a espécie e ter alguém que nos alimente quando formos velhos (sobrevivência, again). A beleza deste grande reboliço é saber tornar estas balelas em algo interessante e perceber que nos resta fazer algo que nos dê prazer, seja a trabalhar, seja a foder; seja a transformar qualquer minúsculo dom em algo proveitoso, seja a amar, amar, amar um homem, um filho.

Por isso, simplifiquemos e sejamos felizes. A busca da perfeição em nós e nos outros é inevitável e, de alguma forma, saudável. Mas, mais cedo ou mais tarde, vamos acabar por concluir que o é até certo ponto. Quando nos engole e não resta mais nada a não ser insatisfação, haja alguém que nos relembre a simplicidade humana.

Tau!

Tudo verdade, verdadinha.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Cá dentro inquietação



Também por aqui há inquietação e uma bola de revolta na garganta sem saber por onde lhe pegar. Aqui fica o grito perfeito, de alguém com a devida coragem para o fazer - e são tão raros - rumo a um acordar de consciências. Até quando se vai continuar a navegar no marasmo?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

sábado, 9 de outubro de 2010

Love, love will tear us apart again

Pior do que a separação de alguém, o pavor é o da solidão. Ainda que apartarmo-nos de certa pessoa até fosse desejável, é quase sempre evitado para não se ficar só. E quando acontece é o mundo que desaba e desejamos aquele que se foi como pão para a boca, como se dele dependesse a nossa sobrevivência. De repente só nos saem ais em desespero e parece que regressam as certezas de amor eterno, afinal turvadas de solidão. Como dizia o João Gilberto, "fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho". É por isso que nos vamos aconchegando no canto mais confortável da cama e nos deixamos ficar, enquanto tapamos a cabeça com o cobertor quando faz frio ou barulho.

Bom, bom é ter os tomates necessários para mandar tudo às urtigas e tentar, tentar, tentar e voltar a tentar. Nunca percebi porque carga de água isso é tão mal visto... Bem, provavelmente porque voltar a tentar implica assumir que se falhou. Por isso, não. Não me parece que nunca vás conseguir ser feliz. Porque pior do que andar às cabeçadas até acertar é a falta de coragem de o procurar.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sentinela

Numa destas manhãs bateram à porta duas senhoras. Ambas de saia travada e camisa branca, uma mais capataz a outra de sorriso assertivo às palavras da primeira. Basicamente – se eu tivesse um bocadinho – gostariam de me falar das maravilhas da palavra do Senhor e entregar-me uma revista muito elucidativa sobre o poder da oração, de nome Sentinela. Recebi a revista assegurando que não tinha muito tempo, enquanto a capataz me atirava lições de moral antes que tivesse tempo de acabar a frase. Sim, porque hoje em dia as pessoas dizem o nome de Deus em vão. Como é que é o Pai Nosso? E olhava para mim à espera que continuasse a sequência… “Pai-nosso que estais no céu…?”

Não lhe dei grande saída, especialmente pelo tom de “revisão da matéria dada” a que me cheirava. Sem problemas. Ela continuou por mim: “Santificado seja o vosso nome! E isto é coisa que ninguém faz, muito pelo contrário.” E continuava o discurso, já o meu pé direito se encostava ao degrau da porta para lentamente o subir e regressar. E blá, blá, blá que ninguém sabe o que é orar, ninguém tem a noção do poder da oração e do que pode fazer por nós. E tudo isto sempre e sem nunca aligeirar o discurso inquisitório, de reprovação. Naqueles curtos minutos senti-me permanentemente atacada por alguém que nem sequer conhecia, pois as palavras que lhe saiam da boca tinham por objectivo atingir-me a mim que sou, com certeza, uma jovenzinha que quer é copos e gajos e não liga nenhuma à igreja que a acolheu aquando do santíssimo sacramento que é o baptismo, Ámen.

É verdade que poderia ter explicado à senhora que somos livres de ter pensamentos e crenças diferentes, sendo que o Deus dela não é melhor que o meu, ou melhor do que eu se simplesmente não acreditar nele. Mas achei que não valia a pena, exactamente porque onde há dogmas não há lugar para discussões teológicas deste cariz. É isto que me irrita na Igreja, a contínua reprimenda, anos e anos a fio, perante a cambada de energúmenos que não lhe segue os desígnios à letra. E o que mais me surpreende é como ainda persistem neste tipo de discurso porta a porta, absolutista e inquisidor.

domingo, 26 de setembro de 2010

Chico

Eu era um jovem louro e saudável quando adentrei a baía de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de Janeiro e conheci Teresa. Ao ouvir cantar Teresa, caí de amores pelo seu idioma, e após três meses embatucado, senti que tinha a história do alemão na ponta dos dedos. A escrita me saía espontânea, num ritmo que não era o meu, e foi na batata da perna de Teresa que escrevi as primeiras palavras na língua nativa.

No princípio ela até gostou, ficou lisonjeada quando eu lhe disse que estava escrevendo um livro nela. Depois deu para ter ciúme, deu para me recusar seu corpo, disse que eu só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capítulo quando ela me abandonou. Sem ela, perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em largar tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônico diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Teresa.

Experimentei escrever alguma coisa em mim mesmo, mas não era tão bom, então fui a Copacabana procurar as putas. Pagava para escrever nelas, e talvez lhes pagasse além do devido, pois elas simulavam orgasmos que me roubavam toda a concentração. Toquei na casa de Teresa, estava casada, chorei, ela me deu a mão, permitiu que eu escrevesse umas breves palavras enquanto o marido não vinha.

Passei a assediar as estudantes, que às vezes me deixavam escrever nas suas blusas, depois na dobra do braço, onde sentiam cócegas, depois na saia, nas coxas. E elas mostravam esses escritos às colegas, que muito os apreciavam, e subiam ao meu apartamento e me pediam que escrevesse o livro na cara delas, no pescoço. Depois despiam a blusa e me ofereciam os seios, a barriga e as costas. E davam a ler meus escritos a novas colegas, que subiam ao meu apartamento e me imploravam para arrancar suas calcinhas, e o negro das minhas letras reluzia em suas nádegas rosadas. Moças entravam e saiam da minha vida, e meu livro se dispersava por aí, cada capítulo a voar para um lado.

Foi quando apareceu aquela que se deitou em minha cama e me ensinou a escrever de trás para diante. Zelosa dos meus escritos, só ela os sabia ler, mirando-se no espelho, e de noite apagava o que de dia fora escrito, para que eu jamais cessasse de escrever meu livro nela. E engravidou de mim, e na sua barriga o livro foi ganhando novas formas, e foram dias e noites sem pausa, sem comer um sanduíche, trancado no quartinho da agência, até que eu cunhasse, no limite das forças, a frase final: e a mulher amada, cujo leite eu já sorvera, me fez beber da água com que havia lavado sua blusa.


Budapeste, Chico Buarque

sábado, 25 de setembro de 2010

Please, please Mr. Postman


Mais uma pérola do cão com pulgas.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Conchas

A felicidade apregoa-se às pargas. É ver a felicidade por aí espalhada em tudo o que é canto onde se possa simplesmente mostrar. Hoje não se é feliz, apenas se mostra ser feliz. Insuportáveis os clamores de férias, de viagens, de amores, de festas, de bons resultados, de elogios. Tudo fede a cobardia, a conchas brilhantes que não escondem nada a não ser medo. Medo de assumir a tristeza e a insatisfação, porque é mais fácil ser feliz que miserável. Calar a alegria parece ser, cada vez mais, o mais sensato. Quer por precaução de cruéis invejas, quer por torná-la mais verdadeira, porque é só nossa.

Só eu me talho o prazer sempre que não é pleno. Apenas me dou permissão ao prazer se não existir migalha de preocupação, caso contrário o prazer não é prazer se não se pode gozar por inteiro. Gosto dos infelizes, vejo-lhes a sinceridade – excepto nos crónicos que o assumiram como discurso de vida. Está sempre “tudo bem” perante a pergunta. E vamos embarcando ordeiramente nesta dormência, perfeitas cassetes, cujo alinhamento já conhecemos de cor.

No entanto há quem dê equilíbrio ao mundo, como as duas mulheres que vagueiam a rua ora acima, ora abaixo. Quase sempre coladas uma à outra. Dois espectros ambulantes. São parecidas, mas não se percebe o parentesco, apenas uma mais alta que a outra. Ambas de preto, horrivelmente magras, corcundas, velhas, de crucifixo no fio ao pescoço. Dois ramos secos do tempo, sem expressão, caminham sem se ouvir, lentamente, como dois fantasmas em vigília. Nunca as tinha visto, assombra-me a sua presença como se me viessem anunciar a desgraça. Tanto quanto os sorrisos plastificados de excitação.

Vontade de me ir

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Let's hear what you think of me now but baby don't look up, the sky is falling"

"Masturbação não fica só pela palma da mão"

Muito se fala da senhora Christine O'Donnell a propósito a sua indignação – e bandeira política – acerca da masturbação. Não fosse o assunto objecto de grande inquietação cá no burgo, e nem sequer lhe dava tempo de antena. A masturbação faz bem à saúde, faz bem à pele, faz bem às depressões, às ansiedades, faz bem ao espírito em paz consigo próprio e a um autoconhecimento sem tabus. O que faz terrivelmente mal aqui é esta senhora a tornar o assunto numa demanda política e nisto, estou com o JR. Era só o que me faltava, vir alguém que não conheço de lado nenhum dizer-me o que devo ou não devo fazer na minha intimidade e trazê-lo para discussão pública. Quando eu acho que, basicamente, já se viu de tudo aparecem estas queridas a inventar temas polémicos, angariadores de audiência, sem interesse nenhum, mas eficazes a catapultá-las para as luzes da ribalta. Mais do que objectivos a roçar a extrema-direita ao ridículo parecem-me uma perfeita fantochada de quem morre de vontade de se masturbar um dia inteiro, mas tem medo de parecer demasiado tarada ou ficar com problemas mentais – coisa que já ninguém lhe tira, by the way.

Os americanos têm pormenores bastante risíveis no que toca ao sexo, é curioso. Que outro povo tem o triste cliché de apreciar a performance sexual do parceiro no final do acto? Quando acabam o serviço, rebola cada um para o seu lado da cama e exclamam:

- Oh, honey, you were amazing!
- Thank you, sweetie, you were pretty good too!

For God’s sake! – digo eu. Só lhes falta dar uma nota, de 0 a 10, por exemplo.

- I think you were a 10!
- Well, I’d give you an 8…
- Why, honey? Do I need to shave my legs?
- No, darling, you forgot my blowjob…

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

À Manela



Pelas vezes que me salvou o dia.

Mediocridade assistida

Escasseia-me o ânimo para as trivialidades que fazem o meu dia. Nada me sai, nem a coragem para mandar tudo às urtigas e que se fodam convenções. Por aqui nada-se, frequentemente, num lago de mediocridade disfarçada e a solução parece apontar para uma aceitação conformada. Nada a fazer a não ser comer o que há. Os “ e se’s” nunca levaram a grandes conclusões, apenas à necessidade de vinho tinto e chocolate. Vêm-me coceiras de alergias a cinismos, anuições, formalidades e comportamentos mecanizados. Misturo tudo em ansiedade levada ao enjoo, dores do corpo e da alma. O futuro não é meu, alguém mo entregou nos braços e fugiu.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Pois é...


Cartoon daqui.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Dar que pensar

domingo, 29 de agosto de 2010

Ou como diria Sara Jessica Parque

Homens. Nós, mulheres, sempre tivemos o péssimo hábito de os compartimentar. Porque os homens são assim ou assado e as mulheres não. Porque há homens fritos e cozidos e mulheres completamente diferentes. Mas há uma verdade indiscutível, que deve ser assumida: há-os que conhecem o pior de nós e nos amam mais e há-os que nem por isso. Apenas isto faz a diferença entre os que valem a pena e os que não valem a pena. São os que nos vêem parir, que aguentam o ranho no nariz e o resto de espinafre nos dentes. Os outros preferem achar que não sofremos de flatulência e olham para o lado para não dar de caras com o hálito e ramelas matinais. Dar-lhes estas doses de realidade fá-los (aos bons) acreditar que lhes confiamos as nossas deprimentes intimidades por amor - o que não deixa de ser verdade.

Aos que insistem em ver as mulheres, namoradas, parceiras, amigas, coloridas como bonecas de porcelana... não há pachorra. Imagino a carga de trabalhos que deve dar este alerta constante para não desiludir o macho. Aposto que depois lhes aturam as fungadelas e ressonares de motor de arranque. Reitero. Pior que dar trela a estes marialvas, apreciadores das damas de companhia, são elas a assumir o papel. E também as há, aos magotes. Gabo-lhes a paciência e não a auto-comiseração.

Depois também os há no meio-termo. Aqueles que até fingem aceitar tudo muito bem e no alto das suas cabeças há um balão de pensamento bem grande a dizer: Já podias ter depilado essas pernas!

Abaixo os juízos estereotipados e espartilhantes! A premissa é apenas uma e é fácil de detectar estes bichos censuradores. Geralmente são aqueles que nos querem sempre lavadinhas e cheirosas na hora de se lambuzarem. Amigas, os bons são os que nos querem ainda mais com 3 dias sem banho.

domingo, 22 de agosto de 2010

Hoje há pipis


sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Amor Veneris


O descobrimento de Mateo Colombo surge, precisamente, quando os âmbitos das mulheres - sempre da porta para dentro - começam, pouco a pouco e subtilmente, a sair dos muros dos beatérios e dos monastérios, dos prostíbulos ou da tépida, mas não menos monástica, doçura do lar. A mulher, timidamente, atreve-se a discutir com o homem. Com algum exagero, chegou-se a dizer que no século XVI é travada a "Batalha dos sexos". Verdade ou não, a questão das incumbências das mulheres instala-se como um tema de discussão entre os homens.

Em tais circunstâncias, o que era a "América" de Mateo Colombo? Certamente, o limite entre descoberta e invenção é muito mais difuso do que parece à primeira vista. Mateo Colombo - é hora de dizer - descobriu aquilo com que todo o homem sonhou alguma vez: a chave mágica que abre o coração das mulheres, o segredo que governa a misteriosa vontade do amor feminino. Aquilo que, desde o início da História, foi procurado por bruxos e feiticeiras, xamãs e alquimistas - mediante a infusão de toda a sorte de ervas ou o favor de deuses e demónios -, aquilo, enfim, que todo o homem apaixonado sempre ansiou, ferido pelo desamor do objecto dos seus desvelos e da sua desdita. E também, aliás, aquilo com que os monarcas e governantes sonharam, pela mera ambição da omnipotência: o instrumento que subjugasse a volátil vontade feminina. Mateo Colombo buscou, peregrinou e, finalmente, encontrou a sua "doce terra" desejada: "o órgão que governa o amor nas mulheres". O Amor Veneris - tal é o nome com o que o anatomista o baptizou, "se me é permissível dar nomes às coisas por mim descobertas" - constituía um verdadeiro instrumento de potestade sobre o escorregadio - e sempre obscuro - arbítrio feminino. Por certo, tal achado apresentava mais do que uma aresta: "Com que calamidades a cristandade não se veria confrontada se as hostes do demónio se apoderassem do feminino objecto do pecado?", perguntavam-se, escandalizados, os Doutores da Igreja. "O que seria do rentável negócio da prostituição se qualquer pobre entrevado pudesse ganhar o amor da mais cara das cortesãs?", perguntavam-se os ricos proprietários dos esplêndidos lupanares de Veneza. Ou, ainda pior, o que aconteceria se as filhas de Eva descobrissem que trazem no meio das pernas as chaves do céu e do inferno?


O Anatomista, Federico Andahazi

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Esta foto...


...foi catrapiscada ao deus que a criou e está absolutamente genial.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Escrever à janela


Quase tão bom como chocolate mole a desfazer-se na boca.

Cabaret



Eu que sou rapariga para acreditar em vidas passadas, já decidi que fui dançarina de cabaret, assim ao estilo Moulin Rouge. Confirmam-me a capacidade de alçar a perna até à orelha, o bichinho por tudo o que envolva música e dança, a exaltação do poder do mulherio, a mistura de uma boa dose de sexualidade e, provavelmente, aliaria à dança a bela arte da prostituição. Fina, claro. A musa lá do antro, conhecedora das mais sofisticadas técnicas do prazer, como ofício. Lá me repousaria entre veludos vermelhos até à hora de apresentar todo o meu esplendor aos mais lânguidos olhares masculinos. Entregar-me-ia a quem quisesse, só porque podia. E, um dia, render-me-ia ao galã mais cobiçado que me desejava e bajulava apenas a mim, após grande luta contra a submissão de um coração irremediavelmente romântico.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Artur


Tão cansado de nada
tão cansado de tudo o que há no nada
tão meu
tão certo e arrependido
tão teu
distante e perplexo
tão vosso e ignorado
tão do tempo
tão da noite
tão destes dias cegos
- entre o conhecido e o desconhecido
tão perdido
tão perdido e oculto
como levado pelo vento.


Artur do Cruzeiro Seixas, Obra Poética-II

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Chateiam-me

As férias e os blogs com elas.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Amor cruel

Sobre a mesa estava este:


Entre um café, um copo de água e… o Record. Os anos de ouro já lá vão e a figura já não é a mesma. São as banhas que se alojaram na pele oleosa, com barba de 15 dias, na constante tentativa de estar hip e passar completamente ao lado. A insistência na auto-centrada sensualidade acentua-lhe o ar sebento, pedante e de óbvia insatisfação com a vida.

Inquietava-me tal literatura que não deixava de ser irónica na personagem. A real. Protagonista de amores e desamores sui generis parecia, de alguma forma, tentar exorcizar o seu próprio enredo, na esperança de encontrar ali o seu alter-ego. Entre um casamento de fachada, mulheres descartáveis e filhos como quem tira a senha do pão, questionava-me sobre que amor cruel seria aquele. Seria ele um eterno amante incompreendido, apanhado nas malhas do destino, preso a um amor incompatível? Não me parece. Antes um eterno aprendiz que nunca aprendeu a amar e ser amado, mas, talvez – só talvez – a ser cruelmente infantil.

1954-2010

terça-feira, 27 de julho de 2010

segunda-feira, 26 de julho de 2010

JP no Embargo

Atelier da Xica

Um sincero obrigada à Xica. E mais uma vez, parabéns.

Matchpoint

Esparramava-se PT à sombra da esplanada. Com certeza indagava por um futuro parental que lhe passou de raspão à lareira.

sábado, 24 de julho de 2010

Ao professor Humbert Humbert

Um beijo pela decoração do inquieto recanto.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

La bambola di sale

Contava-nos o padre Mário sobre a boneca de sal.

Uma boneca que sempre ouvira falar no mar, queria muito saber o que era, conhecer o que a fascinava tanto. Todos lhe diziam para não o fazer, pois o mar era perigoso e ela perder-se-ia para sempre. Mas a boneca insistia e cheia de coragem, resolveu iniciar a sua demanda, percorrendo um longo caminho até finalmente chegar.
Assim que vê o mar fica estarrecida com toda aquela imensidão, o brilho, o mistério e pergunta:
- Quem és tu?
- Sou o mar.
- E o que é o mar?
- Sou eu.
- Não percebo... Explica-me!
- É muito simples: toca-me.

A boneca encheu-se de coragem e na vontade imensa de perceber o que era realmente o mar, avançou até à água e, depois de algumas hesitações, mergulhou um pé. Sentiu-se estranha, mas de alguma forma parecia estar a compreender finalmente o que era o mar. Quando retira o pé repara que já não tinha os dedos e disse:
- És mau! O que me fizeste? Para onde foram os meus dedos?
- Porque te lamentas? Apenas ofereceste algo para poder perceber. Não era o que querias?
-Sim, é verdade, mas...

E ao aperceber-se disso mesmo, deixou-se avançar cada vez mais na água, submergindo aos poucos naquela água envolvente. E quanto mais se afundava, cada vez menos restava do seu corpo e cada vez mais compreendia o que era o mar. Quase completamente desfeita, disse:
- Já sei! O mar sou eu.



E assim se explicava o matrimónio. A união de um casal deverá funcionar tal como a boneca e o mar. Deve cada um misturar-se no outro, anulando o seu "eu" tornando-se no outro, abdicando de individualidades para existir pelo outro, sempre a dois e a uma só voz, para se ser e conhecer verdadeiramente.

Eu acho esta ideia tremendamente romântica, mais pelo conto do que pelo transporte para a realidade. No fundo, parece-me um pouco perniciosa esta anulação de personalidade para servir um marido ou uma mulher. Porque não se fala em amar o outro tal como ele é e respeitá-lo na sua singularidade, em vez destas subtis noções de mútua subserviência? Enfim... perspectivas.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

E (ainda) o aborto...

A lunática Isilda Pegado volta à cena para massacrar tudo e todos com a velha ladaínha do aborto como método contraceptivo. A meu ver, o que sempre importou nesta discussão foi até que ponto uma mulher (ou os casais) deve(m) ou não ter o poder de decisão nesta questão. O mais desagradável e desgastante no meio de tudo isto foram os argumentos usados na defesa do Não, nomeadamente os referidos por esta senhora. Porque se canalizam fundos que não iriam para os apoios à família e aos desempregados? Porque existem menos crianças e consequentemente menos professores e menos emprego? Porque é mais fácil fazer um aborto do que usar o preservativo? Porque os médicos podem declarar objecção de consciência mas não podem dissuadir as mulheres?

What a bunch of crap. Puro enchimento de chouriços misturadinho com areia para os olhos da malta. Coitadinhas das mulheres que são praticamente empurradas a abortar! Ó cara Isilda, devo então concluir que as mentecaptas das mulheres deste país, pobres desventuradas analfabetas, precisam de si no seu Dolce & Gabana para pensar e decidir por elas. Naturalmente que quem faz um aborto, fá-lo por gosto, como dizia a outra. Que saudades do tempo das mulheres parideiras, enfiadinhas na igreja e de boca fechada, hein Isilda?

Aborrece-me de morte esta insistência lunática na discussão quando já toda a gente percebeu que se trata de uma questão de consciência individual. Trata-se de ter opção, de poder decidir sem que isso signifique que se seja pró-aborto. Muito pelo contrário.

What?!


- Olá, boa tarde, como está?
- Olá boa tarde! - grande sorriso.

(Prossigo e vou à minha vida, quando sinto um olhar penetrante mesmo atrás de mim.)

- Olhe, por acaso, nem estava a ver bem quem era... Está tão alta!
- Pois, tenho saltos altos...
- Sabe, lancei agora o meu último livro de sonetos e tinha muito gosto em vender-lhe um.

(Saca imediatamente um exemplar da pochette, capa fina em azul bebé.)

- Por acaso não tenho dinheiro agora comigo, vim só mesmo aqui buscar uma coisa e vou já embora.
- Ahhh... É mesmo uma pena que não tenha aqui dinheiro.

(Finjo nem ver o Multibanco mesmo ao meu lado, enquanto aquela mulher atarracada, floridamente vestida me fixa feita louca.)

- Pois, pois é...

(Desejo sair dali rapidamente ou que se me abra um buraco qualquer onde me esconder dos risinhos de troça da mulher da lavandaria.)

- Pronto, olhe, estão em todas as livrarias! Passe numa qualquer a comprar um dia destes, que encontra de certeza. Você é filha de quem?
- Do Rui...
- Ah, pois! Já sei... Então e diga-me lá, ele refez a sua vida?

(Agora não só quero fugir como esganá-la. É impressão minha ou está oficialmente a candidatar-se?)

- Sim, sim. Está sozinho e muito bem.
- Ah, pois! O que é preciso é que esteja bem!
- Pois é, adeus, adeus! Até á próxima...


Sou pouco dada a este tipo de intimidações e exploração da minha vida privada.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Não gosto



Eu não gosto de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas
O que eu não gosto é de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu aguento até os estetas
Eu não julgo a competência
Eu não ligo para etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades
O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem...

Tenho pena e não respondo

Tenho pena e não respondo.
Mas não tenho culpa enfim
De que em mim não correspondo
Ao outro que amaste em mim.

Cada um é muita gente.
Para mim sou quem me penso,
Para outros - cada um sente
O que julga, e é um erro imenso.

Ah, deixem-me sossegar.
Não me sonhem nem me outrem.
Se eu não me quero encontrar,
Quererei que outros me encontrem?


Fernando Pessoa

Make a joyful noise

Diz-me que o meu corpo e a minha mente precisam de sons mais alegres, que a banda sonora da minha vida actual não pode passar por baladas, melancolias e afins. “Make a joyful noise”, dizia. Não deixa de ser verdade que eu própria devo procurar fazer o meu som, animado. Abaixo os slows e as músicas deprimentes será o meu lema, embora o meu corpo e mente se comprazam com melodias da mais profunda dor e desilusão, principalmente em especiais momentos que assim me definam. Há algo de masoquista nessa necessidade de atrair a depressão à depressão, como se daí emergisse uma espécie de cura, em igual mecanismo de vacina. Assim como há momentos em que essas mesmas melodias me entediam e não há pachorra para tanto desenrolar de comiseração, aí não me cabe outra coisa a não ser festa, trompetas aos berros, bater de pezinho e cabelo ao vento. Enquanto pensava no assunto, surgiu-me esta aos ouvidos. Na mouche. Seria, com certeza, o hino da minha revolta. O Seu Jorge tem algo de malandro, de pacífico charmoso com anos de prática de lábia, que enfeitiça qualquer ‘mina neste modo de folia apaixonada.

Está dado o mote.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Lençóis

Era um lugar indefinido onde pendiam lençóis brancos por toda a parte, ao estilo filme romântico, série B. Pelas paredes, pelo chão, nada mais havia a não ser: lençóis. Embrulhados, amarrotados, limpos e frescos, envolviam dois corpos que já se conheciam. O resto foi o que já se sabia, porque a lição estava sabida de cor e salteado. Porque o cheiro era o mesmo e fora o guia de sempre. O ritual não tinha sido esquecido, o desenrolar da cena surgia naturalmente, de gestos calmos e surpresos na sensação de estar em casa, de nunca ter saído. Saborearam-se na doçura do reencontro e despiram-se de roupas e egos. Só dois corpos que se tatuaram e que falam a mesma língua, alheios a condições. Confirmaram entre sorrisos esse entendimento perene, em prazeres amadurecidos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Popalhada que eu gosto

Lado B


Há muito boa gente que não gosta do humor do Bruno Nogueira, não gosta do Bruno Nogueira. Pois eu cá gosto. E gostei do que vi ontem. Nota-se claramente que meteu o dedo em quase - para não dizer - tudo. A começar pela banda residente, os Skadillacs, com músicos de Sérgio Godinho, Clá, Jorge Palma. Nota-se que para além de bom gosto musical - a meu ver, claro - demonstra, e isso sem dúvida, uma clara de noção do que são bons musicos e profissionais.
Para além do décor engraçado, colorido, vivo, original (diametralmente oposto ao do Herman 2010), lá vieram os fantásticos Deolinda com um grande single. Às vezes após um primeiro álbum muito bom, parece surgir um enchimento de chouriços meio apressado para ver se a onda não passa. Pois não foi nada o caso, os Deolinda regressam em grande, com continuação de bom tempo: originalidade, aprumo e consistência. Dispensava só um bocadinho do overacting da Ana Bacalhau.


Obs: O RAP está gordo e xoxo.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Sempre em grande



E agora ouvem-se na rádio.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Rufus



"...My mother's in hospital
My sister's at the opera..."

For God's sake man! Rufus, que é feito de ti nos tempos de Want One e Want Two? Como diz o meu grande amigo e ex-fã, Manuel, não me parece que se façam as pazes desta vez. Parece que o que mais há de comercial se sobrepôs ao génio e foi resvalando para um "fazer por fazer".

Vale-nos uma tal de "Give me what I want and give it to me now". E pronto.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Soa a outros sons

Isto


Soa tanto a isto



E é tudo tão bom.

sábado, 10 de abril de 2010

Kate


Ouvi-a pela primeira vez enquanto girava no carrossel da Feira de Março. Lembro-me como se fosse hoje. Não sei porquê aquela música entrava-me no espírito, dava-me uma prazer imenso. Ainda maior que todas aquelas giratórias, subidas e descidas a uma velocidade quase estonteante. E lá ia eu atirada contra girafas e leões, no meu banquinho preferido, zonza de tantas voltas, animais, música e aquela voz nasalada que dizia: Mais uma voltinhaaaaa!

Estranhos sítios para ouvir boa música. Mais estranho ainda memorizá-la em plena alucinação feirante. Voltava sempre àquele carrossel, naquele ano, daquele mês de Março, na esperança de ouvir novamente aquela música que me transportava melhor ainda para outras dimensões.

Lembro-me ainda de a ouvir em repeat nas visitas de estudo, a meias com o meu parceiro de estudos e conversas, Bué. Que recordações tão banais e ainda assim tão presentes na minha mente. Há, de facto, músicas que têm este efeito. Ainda hoje a oiço com o mesmo prazer, há nela um misticismo que nunca hei-de conseguir perceber, quanto mais explicar. No dia em que acontecer vou deixar de gostar dela como agora e constato que o mesmo se aplica a tantas outras coisas da vida.

sábado, 3 de abril de 2010

Pescadinhas de rabo na boca

É incrivel a influência da televisão na música que ouvimos durante o dia. Nunca na rádio ou em espaços comerciais se ouviu tanto a banda sonora de um anúncio ou de uma telenovela. Sejam eles repescadas ou descobertas, para o bem ou para o mal.

Eu adorei esta a primeira vez que a ouvi no anúncio da Super Bock. Era a Brandi Carlile, The Story.

Depois de se ouvir até ao enjoo, surtiu o seu efeito: enjoei mesmo.

Ultimamente é por todo lado, esta:

"Dou-te um doce em troca de um beijo salgado, nanananana", da saudosa Lena d'Água. Muito culpa da dita novela "Perfeito coração" e do resgate que lhe fizeram do baú das velhinhas.

Prova disto mesmo é ainda o que se tem ouvido de Ornatos, quando já ninguém se lembrava que existiam. E porquê? Porque esse grande êxito de audiências, de nome Ídolos, lançou o jovem Filipe que - dono de bom gosto musical - resolveu encantar as hostes co um tema dos Ornatos.

Como os Ornatos entretanto acabaram, surgiram inclusivé grupos no Facebook sedentos de que os mesmos regressem, promovem-se programas sobre os antigos Ornatos, e lançam-se projectos de ex-membros, como é o caso de Foge, foge Bandido do cabecilha, Manel Cruz.

Impressionante. Mesmo.

terça-feira, 23 de março de 2010

segunda-feira, 22 de março de 2010

Assim



Apetece-me assim, nesta versão amadora, underground, cigarro na mão, minimalista, a cagar-se e a deixar fluir. Nada me faz sentir melhor, num dia assim, do que ouvir "she won't fuck you like I do", em grande porte altivo e exponente sensua(sexua)lidade. Há dias assim. Assim, só por dizer e mandar umas tretas para o ar só para "relieve the tension I feel inside", porque "I'm in tha mood". Melhor ainda quando nos apetece dizê-lo tal e qual, porque é verdade, porque "last night I fucked your boyfriend" só porque "I remember all your spots", por tua culpa, aliás ambos sabemos que "she's not into that wild shit". Foda-se que poder. Não quereria outro, este sabor é fantástico e único, capaz até de fazer esquecer mágoas rancorosas a apodrecer mesmo por baixo deste poderoso brilho. Sim, não é outra coisa que um exorcismo de dor. Escancara-se o que se tem de mais poderoso, nem que seja a foda. O que há melhor que. E homem que é homem põe a foda em 2º lugar, para aí...

E então, se te apetecer, eu nem me importo, só naquela de aliviar a tensão. Nem me importo de ser a tua puta e deixar que uses o que afinal mais gostavas, porque o resto não chegou. E vou fingir que são réstias de amor o que me dás e nem vou reparar que me faço o favor a mim.

Que se foda. O poder continua a ser imenso. É o que diz esta música: que se foda. E eu gosto dela assim.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Músicas de vómito #1



Inicio aqui uma nova rubrica, vá, sobre as minhas eleitas para música de vómito. Aquelas que mal detecto os primeiros acordes, mudo imediatamente de estação radiofónica. Para começar em grande, cá está a música que mais me revolve as entranhas desde 1993. Passados 17 anos tem a proeza de continuar a surtir o mesmo efeito em mim, o que prova que a minha aversão não se deveu apenas ao martelanço contínuo da dita nas rádios.

Agoniem-se.

sábado, 13 de março de 2010

I am the drug

A música relaxa-me mais do que Xanax. Dá-me boas vibrações, muda-me o humor, carrega-me a energia de um café. Talvez por isso tenha tendência para ouvir sempre mais música ritmada, música para cima, talvez o melhor ansiolítico para os dias de hoje. Curiosamente, há passagens desta ou daquela música que fazem toda a diferença, pelos acordes ou pela voz ou pela letra ou então pela aliança entre todos os componentes. Metamorfoseio-me por momentos, crio uma aura de luz, de força, sedução. Sou meia bruxa, meia louca, toda meretriz, toda criança. Grito alto, esqueço quem está ao lado, quem poderá espiar-me. Esqueço as vergonhas e os afazeres, as necessidades. Não há fome ou frio que a adrenalina compensa. Revivo as coisas, as pessoas, peco em “pensamentos, actos e omissões, por minha culpa, minha tão grande culpa” e recrio outras tantas. Fantasio momentos, corto e colo em produção cinematográfica, o argumento não é esquecido. Tudo é perfeito, porque perfeita é a banda sonora. Ou então entro nas histórias das canções, sinto-o, digo-o e é tudo real no meu mundo tresloucado. Regresso ao seu tempo, seja de poupa e permanente ou vestido de lantejoulas ao piano. Nunca fui apanhada em pleno delito, os segredos mantêm-se nossos, entre mim e ela. É por isso que lhe sou fiel e lhe continuo a dedicar grande parte da minha vida. Imagino que produz em mim um efeito único, que foi feita para mim e que mais ninguém a vive e entende como eu. É absolutamente obsessiva e eu dela dependente, alucinogenicamente drogada, faço perdurar o vício sem qualquer intenção de cura.

terça-feira, 2 de março de 2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Também a mim o amor me dá tesão, Manel


Foge Foge Bandido, último trabalho de Manel Cruz (para mim, um dos melhores autores e compositores actuais) vai estar em digressão nacional. Valia bem a pena ir ver, sim senhor.

Faltará dinheiro
Faltará cultura
Faltará procura
Dentro do teu ser.
É um bom começo, essencial. O Manel já diz verdades claras, cruas, gritantemente poéticas há tanto tempo. Mais um daqueles a quem só alguns nichos dão a devida importância. A malta quer é "perfeitos corações" carregados de "hããã's" arrastados até ao vómito.


Mas quero que tu saibas que...

Gosto de te ver chegar
Tudo o que há em ti combina sem sentido
És sem dúvida o meu tema preferido
Fazes a agulha do tempo andar pra trás




Desde os Coldfinger e mais ainda a solo. Guidinha, havias de fazer coisas destas mais vezes!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Fui indagar

Nunca tinha ouvido falar do Laurent Filipe. Confesso que foi a sua exposição em palcos não tão interessantes que me alertou para a sua existência. Depois, o facto de ser um homem do jazz, extremamente interessante e de barbicha também teve a sua influência na curiosidade. Um bocadinho, só. Auscultei o que pude e gostei. Ei-lo.

"June, July and August said it's probably hard to plan ahead"



Os amores de Verão, são o que são. E os que começam no Verão dificilmente durarão. Saiu-me a rima à pressão, mas tenho cá para mim que é bem verdade. Os suores afogeados e restantes humidades parecem misturar-se. O composto é bombástico, um dos efeitos é a visão turva e é uma chatice. Ou então não, what you see is what you get e o desfecho não poderá ser melhor. Os meus começos invernais parecem ser mais duradouros, pedem lareira e chá e um empenho maior em manter a temperatura. Os escaldões têm a sua piada, mas depois vem um ardor e um gelo desgraçados...

A Feist não o diria melhor. Adoro-lhe a voz, a música, as letras, a improvisação... tudo. Espero ansiosamente a próxima oportunidade para a ver e ouvir ao vivo. Este vídeo deixa ainda mais esse gostinho. Muito, muito bom.



February, April said "don't be fooled by the summer again"
February, April said "that half of the year, well we'll never be friends"

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O regresso



A vergonha da ausência... Mais de 1 ano depois, apraz-me voltar a debitar. Foi o Camané que o conseguiu. Voltei a ouvi-lo, como há muito não fazia, assim como Pluto. É sempre uma descoberta agradável quando o volto a ouvir, saber que não me canso e que o prazer que lhe retiro é infinito. É daqueles sons que me aquece a alma. Descobri-o sozinha, meio aparvalhada à medida que ia percebendo aquilo que me despertava. Uma surpresa para mim, o fado, pela mão do Camané, claro. Equiparo-o à Cristina Branco, no feminino porque ambos piscam o olho ao lado esquerdo do fado, sem jóias aos quilos, trinares de voz e marialvas. Mais tarde partilhei-o com quem não pensava possível e tornou-se hino de outras descobertas. A música tem a mania de fazer perdurar histórias. Se assim tem que ser, vão para o saco das memórias e, geralmente, só são resgatadas através da música. E sempre pelas boas razões, nunca as más. E não vale a pena contrariá-la. Quando se lhe colam situações e emoções, são para sempre, mesmo quando já nem faz sentido. Ouve-se de forma diferente, mas com o mesmo calor que nos trouxe um dia, aquele quentinho que aquece mesmo no fundo, compondo a sinfonia das camadas de vida.