E isto, a mim, enerva-me. Que metade do País que se deu ao trabalho de ir votar gaste tanto tempo a falar da metade do País que se esteve nas tintas. Que fritemos a cabeça a tentar descortinar as motivações da inação de quem preferiu ficar em casa. Que os cidadãos que levam a sério essa sua condição e querem ter autoridade para criticar os eleitos se sintam na obrigação de fazer o papel de ama-seca de quem não quer saber.
Posso dicordar do voto de muitas pessoas. De quem vota em candidatos absurdos para protestar. De quem vota em branco ou nulo porque acha que quem se candidata é sempre oportunista ou idiota. De quem vota em autarcas corruptos ou políticos incompetentes. De quem decide o seu voto em frente ao boletim, como se estivesse a jogar no totobola. Mas sairam de casa, foram à mesa de voto, e cumpriram a sua obrigação de cidadão. Merecem-me respeito. Como opinador, reflito sempre sobre a sua decisão. Como democrata, aceito sempre a sua escolha soberana. Para os abstencionistas estou-me nas tintas. Porque eles, ao não participarem no mais básico e simples dos atos desta nossa democracia, se estão nas tintas para mim. E amor com amor se paga.
Se se abstêm porque têm mais que fazer eu abstenho-me de lhes dar atenção. Se se abstêm porque não acreditam em nada e em ninguém, eu abstenho-me de acreditar no seu empenho neste País. Se se abstêm porque não acreditam na democracia, eu abstenho-me de incluir o seu gesto (ou a sua ausência de gesto) no debate democrático.
E a classe política também se está nas tintas. Por isso qualquer intento de provar um ponto de vista ou manifestação, cai em saco roto.
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